2004-01-30

MUDAR PARA MELHOR
Por Vasco Eiriz

Épocas de dificuldade económica são geralmente propícias para as empresas arrumarem a casa e mudarem para melhor. Em fases de crescimento económico as empresas orientam-se mais para o mercado na tentativa de responder à procura. Em épocas de crise possuem mais tempo e predisposição para se organizarem. As próprias condições de mercado a isso as obriga no sentido de aliviarem os seus custos e se tornarem mais eficientes. Em momentos como o que a economia portuguesa atravessa muitas organizações têm a oportunidade para mudar e reorganizar-se.

Há alguns sinais que mostram que isto possa estar a acontecer. Por exemplo, o processo de reestruturação dos institutos públicos é um exemplo de reorganização, da mesma forma que o é a transformação da personalidade jurídica dos hospitais.

No caso de vários institutos públicos, a duplicação de funções e despesa levou à sua fusão ou extinção. Nos hospitais procura-se eficiência na gestão dos recursos e eficácia na prestação dos cuidados de saúde. Para tal transformaram-se vários hospitais em sociedades ou estão a ser criadas parcerias público-privado para novos hospitais. Sendo na prática algo de muito diferente duma fusão ou aquisição, as parcerias partilham com as fusões e aquisições o facto de envolverem relações entre diferentes organizações.

As fusões, aquisições e parcerias estratégicas são dos processos de reorganização que envolvem geralmente grande mudança. Caso queiram continuar a existir, muitas organizações têm necessidade de passar pontualmente por profundas transformações. Esta necessidade é mais frequente do que se pensa, mas nem sempre é devidamente equacionada.

O caso dos hospitais e institutos públicos é dos mais mediáticos. Mas, a título meramente exemplificativo, caso não sejam tomadas medidas de mudança efectiva, a necessidade de novos arranjos organizacionais irá também colocar-se (se é que ainda não se colocou já) a instituições de ensino superior, clubes de futebol, empresas dos mais variados sectores ou até mesmo a câmaras municipais e por aí fora.

Para melhor compreendermos estas mudanças vale a pena aqui citar um relatório recente do Boston Consulting Group, uma consultora americana. Partindo da análise de 277 fusões e aquisições ocorridas nos Estados Unidos da América no período de 1985 a 2000, o estudo constata que as fusões e aquisições registadas em períodos de crescimento económico inferior à média possuem uma maior probabilidade de sucesso e geram, em média, mais valor do que as que ocorrem em períodos de crescimento económico superior à média.

Não sendo de todo surpreendentes, estes resultados vêm suportar a ideia de que as épocas de crise económica parecem mais apropriadas para encetar processos de mudança que envolvam fusões e aquisições.

No caso do tecido empresarial português esta necessidade é tão mais premente se considerarmos a dimensão média e o perfil das empresas que o compõem. Sabe-se que mais de 99% das empresas portuguesas possuem menos de 250 trabalhadores e um volume de negócios anual não superior a 40 milhões de euros ou um activo não superior 27 milhões de euros. São predominantemente empresas de base familiar com uma dimensão média de 11 trabalhadores. Só 6% dos seus colaboradores possuem curso superior. Naturalmente, quando assim é, o leque de opções estratégicas ao seu dispor encurta-se, pois não possuem os recursos e competências para projectos ambiciosos que envolvam, por exemplo, lançamento de produtos inovadores ou internacionalização.

Há, nestas condições, um incentivo a processos de integração e mudança organizacional. Fazendo-o inteligentemente, as empresas ganham capacidade para alcançarem metas mais exigentes. Não o fazendo, tornam-se progressivamente mais frágeis, incapazes.

Faz todo o sentido que os empresários equacionem estratégias de compra, venda ou cruzamento de capitais. Podem assim criar sinergias financeiras, na carteira de produtos e nos mercados. Quando é este o caminho escolhido, não deve haver lugar a ambiguidades.

Referência original: Eiriz, Vasco (2004), "Mudar para melhor", Jornal de Notícias (26 de Janeiro) (colaboração com a Ordem dos Economistas)
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