2005-07-12

Prémio
HAPPY-HOUR NA AUTO-ESTRADA
Por Vasco Eiriz

Com excepção dos utilizadores das SCUTs, qualquer consumidor racional que pretende minimizar os seus custos não deixará de considerar o preço das portagens demasiado elevado. Se, contudo, viajar pela A1 numa sexta-feira à tarde, talvez o preço das portagens lhe pareça estar demasiado baixo.

No outro lado da relação, qualquer concessionária de auto-estradas que aplique racionalidade idêntica julgará que as portagens não estão caras. Se, contudo, essa concessionária ou o Estado apurarem o preço médio das portagens por quilómetro em relação ao rendimento per capita do país e compararem esse indicador com outros países talvez constatem que o preço praticado é demasiado alto.

Afinal em que ficamos? As portagens praticadas em Portugal são caras ou baratas? Esta é uma questão fundamental de resposta fácil. Mas, evidentemente, o cálculo duma portagem média é insuficiente, tanto mais que sabemos existirem auto-estradas “gratuitas” e outras pagas directamente pelo utilizador.

Descontando o erro crasso da manutenção das SCUTs e da não aplicação do princípio do utilizador-pagador, há outras questões não menos interessantes sobre a política de preços nas auto-estradas. Num dos limites, as portagens poderiam ser de fixação livre. No limite oposto, o Estado fixaria administrativamente um preço sem qualquer intermediação. Na realidade, existe intermediação envolvendo Estado e concessionárias.

Faz sentido que o Estado continue a ter o seu papel neste mercado, quiçá até de uma forma mais exigente, como o demonstra uma petição entrada recentemente na Assembleia da República a propor a redução ou suspensão das portagens em troços de auto-estradas em obras ou a medida recentemente noticiada de afixar o preço dos combustíveis na via. Mas, faz também sentido ponderar decisões de preço que favoreçam o fim público das auto-estradas sem que se prejudique a sustentabilidade económica de cada via.

De forma elementar, estas decisões de preço podem basear-se nos três Cs (custos, clientes, concorrentes), sendo possível ponderar cada um destes Cs e introduzir alguns mecanismos simples de regulação da procura. O critério da concorrência neste mercado tem particularidades que justificam discuti-lo noutra oportunidade, mas os outros dois critérios merecem uma breve reflexão.

Por exemplo, ao diferenciar o preço das portagens consoante a categoria do veículo que as utiliza, o princípio subjacente é o do custo. Admite-se neste caso que, por exemplo, um veículo pesado gera um maior desgaste da auto-estrada do que um veículo ligeiro. É, aliás, com base neste argumento que se sustenta a ideia de que os motociclistas deveriam pagar portagens mais baixas do que os veículos de quatro rodas, não só porque os custos do serviço para a concessionária são inferiores mas também porque os benefícios são menores para o cliente.

Ponderando de forma mais completa a diferenciação de preços, faria também sentido diferenciar os preços em função de outras características associadas ao perfil da procura. Não poderiam as portagens ser mais baratas, por exemplo, em períodos de menor utilização e mais caras nos momentos de maior procura, sendo assim o preço de um mesmo troço distinto consoante a hora ou dia de utilização? Mantendo a receita total, não resultaria daqui um maior benefício colectivo, por exemplo, em termos de tráfego e segurança?

Estas medidas de diferenciação parecem, de facto, mais justas do que a simples discriminação entre vias sem custos directos para utilizador e vias com portagem. São também mais justas do que outras medidas que apontariam, por exemplo, para a discriminação de preço entre residentes na região e forasteiros.

Concluindo, em bens desta natureza talvez faça sentido pensar em estruturas de preço menos elementares do que as existentes. Não abdicando do princípio do utilizador-pagador, é possível introduzir outros critérios de diferenciação de preço sem, contudo, tornar as estruturas de preço de tal forma complexas que deixem o cliente sem perceber o que está a pagar.

Referência original: Eiriz, Vasco (2005), "Happy-hour na auto-estrada", Prémio (7 de Julho).
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