Ideias
UNIVERSIDADE COM OLHO DE LINCE
1. OLHO DE LINCE. Com um olho de lince (ou deverei dizer águia, agora que o lince parace estar na mó de baixo e a águia volta a prometer voos mais arrojados?), FF reconhece que a Universidade de Aveiro (UA) é um dos seus dois amores - "tenho dois amores, mas ainda não sei de qual gosto mais".
Depois, a propósito da noticiada aquisição do estádio do Beira-Mar pela UA (ver post de 8 de Junho), acrescenta: "a este propósito lembro-me de uma história que se contava acerca de um professor do Técnico que tinha fundado um laboratório sem ter nehum contrato (de investigação) ou qualquer outro tipo de receita prevista. Aparecem depois os credores a tentar cobrar uma grande dívida. Comentava esse professor, à boca cheia, que o melhor era deixar engordar a dívida, que deixaria assim de ser dívida e passava a problema político. Não me parece contudo que seja a prática de gestão da UAv.. Eles têm dinheiro e devem ser uma das poucas empresas do distrito a poder ajudar a Câmara neste momento. Deve ser o toma lá agora que eu depois recupero. Enfim coisas complicadas que o tribunal iluminará."
Brilhante! É sobretudo notável o sentido empreendedor manifestado por FF em vários aspectos: i) ter dois amores (haverá melhor manifestção de capacidade empreendedora do que esta?); ii) não saber de qual gosta mais (sim, sim, porque o empreendedor cultiva a dúvida metódica!); iii) a boa articulação entre dívidas e problemas políticos; iv) a transformação da UA numa empresa; v) a capacidade de colocar a UA a financiar a câmara; vi) acreditar na justiça. Continuemos com o essencial do debate que esta operação suscita.
2. UNIVERSIDADE À BEIRA MAR. Não foi particularmente o facto da UA poder ter que responder em tribunal pela compra do estádio do Beira-Mal que nos levou a pegar no tema no post de 8 de Junho. Na verdade, a fazer fé nos factos relatados na imprensa, a sensação que fica é que o que poderá estar em causa no processo é um mero incumprimento de procedimentos formais que parecem de pequena importância. Se atendermos ao emaranhado juridíco em que este país parece transformado não devemos ficar admirados que o nosso quotidiano seja inundado com notícias deste teor, muitas delas inconsequentes.
Mais preocupante que o aspecto formal da aquisição do estádio por parte da UA é o aspecto substancial da operação. Entendamo-nos: esta aquisição é, desde logo, uma decisão de natureza estratégica para a universidade. Por um lado envolve um investimento financeiro significativo e, independetemente da dimensão do investimento, estamos perante uma aquisição que terá inevitavelmente consequências futuras importantes para a insituição.
Relativamente a esta decisão interessaria compreender qual a lógica que a sustenta. Uma questão simples que os responsáveis da UA deveriam responder plenamente é qual o papel que este activo pode vir a ter no perseguimento da missão e metas da universidade. Não se rejeita em tese que uma universidade não possa fazer os investimentos que entender adequados para rentabilizar os seus activos financeiros, mas tratando-se dum estádio de futebol em processo de desactivação e substituição por um novo estádio municipal, não se compreende de que forma a UA poderá, com esta operação, rentabilizar o seu património ou cumprir a sua missão fundadora.
Há, em nosso entender, um outro aspecto que também não abona a favor do prestígio que a UA soube criar ao longo de anos. Na verdade, é com alguma estupefacção que vemos a UA envolvida no proclamado mundo da "política local". Não quer com isto afirmar-se que a política ou o poder local carregue por natureza algum anátama. Não é disso que se trata aqui. O que aqui se quer realçar é o facto de não estarmos habituados a ver as universidades envolvidas em operações deste tipo. As universidades, não só as clássicas, mas também as mais novas, sempre cultivaram uma descrição que as tem mantido relativamente afastadas da ribalta política, tanto a nível nacional como local. As universidades não são, na verdade, palcos de afirmação política mas espaços de criação e disseminação do conhecimento. Ver, por isso, uma universidade associada a transacções que têm por pano de fundo o futebol, é algo que belisca.
Finalmente, além das questões que dizem mais directa e exclusivamente respeito à UA, a aquisição do estádio possui, apesar de tudo, um significado político nacional. Mesmo para um observador atento é com bastante perplexidade que, num momento em que as universidades tanto se lamentam da escassez do financiamento estatal, haja quem possua dessafogo para adquirir estádios. Como se explica financeiramente esta aquisição no actual contexto em que as universidades se lamentam de subfinanciamento ao ponto de, muitas delas, colocarem em causa o seu normal funcioamento? Como explicar, por exemplo, a um novo aluno da UA que é necessário pagar propinas superiores para ter melhor qualidade de ensino?