2003-10-31

CÁLICES DE ALVARINHO

Existem múltiplas formas de definir um mercado, mas uma das mais simples e eficazes diz-nos simplesmente que um mercado é um conjunto de indíviduos ou organizações com necessidades actuais ou potenciais e capacidade, vontade e poder para adquirir os produtos que satisfaçam essas necessidades. Uma abordagem ao mercado requer geralmente a sua divisão num certo número de subconjuntos, tão homogéneos quanto possível, a fim de permitir que a organização adapte a sua oferta a cada um dos subconjuntos, ou a alguns deles. Chama-se a isto segmentar o mercado, matéria tão mais delicada quando estamos perante mercados de âmbito internacional.

O vinho Alvarinho é um bom exemplo que mostra até que ponto a segmentação internacional pode ser vantajosa se acompanhada de um ágil posicionamento. O vinho Alvarinho é produzido na sub-região de Monção que engloba o próprio concelho de Monção e o concelho vizinho de Melgaço, ambos situados na margem do Rio Minho, na fronteira com a Galiza. Desde sempre, o vinho Alvarinho foi considerado como o vinho verde mais nobre, ao ponto de alguns especialistas lhe reservarem uma posição única no mercado. Mas, naturalmente, a sua nobreza e qualidade não lhe retiram o estatuto de um vinho verde, com os prejuízos que possam decorrer da sua associação a um produto reconhecido em termos vinícolas como de segundo plano.

Acontece que a exclusividade da sub-região de Monção na produção do Alvarinho foi já objecto de disputas por parte de outras sub-regiões que desejam terminar com essa exclusividade. Dito de outra forma, pretendem aceder a um produto melhor posicionado, amortecer a menor qualidade dos seus produtos e daí retirar vantagens. Como se não bastasse este convívio minhoto com posições conflituantes, eis que os Albarinhos da vizinha Galiza têm ganho proeminência, pelo menos no mercado de proximidade. Daí que a concorrência tenha aumentado ao ponto das colheitas de alguns pequenos produtores da sub-região de Monção serem adquiridas a melhores preços pelos concorrentes do outro lado da fronteira.

Qual a solução? O mercado irá, em princípio, dizer qual a melhor solução, mas, à partida, parece no mínimo aconselhável que os produtores de Alvarinho definam o seu mercado de forma diferente. Se o fizerem de forma criativa e com imaginação irão concerteza encontrar segmentos atractivos para cada uma das largas dezenas de empresas e agricultores que dele dependem. Irá assim haver empresas em segmentos com produtores concorrentes locais. Noutros casos, algumas empresas actuarão provavelmente em segmentos em que também estão posicionadas congéneres de outras sub-regiões do vinho verde. Finalmente, empresas haverá que se posicionarão de forma idêntica a concorrentes do outro lado do rio Minho.

Da agilidade desse posicionamento irá, em parte, depender o seu futuro. Daqui resulta que é fundamental que os gestores pensem nos seus mercados sem fronteiras, quer estas sejam entre países ou entre regiões. Devem ainda equacionar posicionamentos claros e perseguir estratégias de marketing consistentes com as posições definidas.

Referência original: Eiriz, Vasco (2003), "Cálices de Alvarinho", Jornal de Notícias (3 de Outubro) (colaboração com a Ordem dos Economistas)
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