2003-11-25

QUEM FALA ASSIM NÃO É GAGO. Numa interessantissima entrevista ao Público de ontem, o ex-presidente do Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil, mostra um pouco como funciona o país. Ficam aqui alguns extractos.
"Quando deixei o gabinete do ministro, era evidente que ia sair. Não o fiz logo por causa do grupo de pressão que desde há meses me vinha atacando. Tomei como compromisso de honra não os deixar tomar o poder daquela maneira. São três ou quatro pessoas que estavam cá fora, com ligações aos jornais e ao antigo serviço e que tinham as suas pessoas lá dentro. Vi-me na necessidade de, inclusivamente, ter de mudar a secretária que trabalhava comigo, pelas informações que passava. Desde o primeiro momento roubaram-me documentos, não me deixaram chegar correspondência pessoal."
"A minha primeira atitude foi travar um plano de mais de um milhão de euros para comprar material de protecção civil para o Euro 2004. Era dinheiro que ia ser deitado fora, porque para aquele material poder ser utilizado tinha que haver equipas formadas e não havia."
"Se lhe disser que os contratos de aluguer custam no mínimo 20 milhões de euros por ano, se for ver os meios da Ucrânia que aparecem cá, com pilotos soviéticos e angolanos... É uma confusão tramada. Se for analisar por que é que a Espanha comprou, com grande auxílio da União Europeia, 21 ou 22 aviões Canadair e nós não comprámos nada... E o projecto esteve em curso e foi anulado. Há interesses económicos muito grandes em jogo. Vou descrever o processo e vai perceber-se melhor. Há outros países, como a Grécia, a França ou a Itália, que não têm meios suficientes e também são obrigados a contratá-los. Mas abrem os seus concursos agora em Novembro. Em Portugal, o mesmo concurso é aberto em Abril. Ao fazê-lo nesta época, vai ver que não concorre nenhuma empresa estrangeira. É curioso como é que num concurso tão grande, que envolve 20 milhões de euros, não concorram empresas estrangeiras. E não concorrem porquê? Porque já não têm os meios, já os alugaram nos concursos de Novembro. Quando abre aqui o concurso aparecem empresa portuguesas que não têm meios aéreos próprios. Então funcionam como intermediários, é mais um intermediário na cadeia. Depois têm que ir alugar os meios a empresas na Alemanha e noutros países europeus, mas estas empresas já os têm alugados e, por isso, acabam por ir para a Ucrânia e para a Rússia. Depois vem o problema dos pilotos, depois vem o problema da certificação dos aparelhos. Estive a abordar a questão e reparei que havia várias casos de desastres de helicópteros que bateram em casas e em carros. Um concurso desta envergadura tem que ser feito muito cedo e com pré-qualificação de concorrentes. Outra ideia é não haver um vencedor, mas um primeiro e um segundo, que dividam o bolo para não se verificarem abusos. O objectivo tem que ser reduzir o número de intermediários do negócio, porque cada um vai cobrando a sua comissão e a factura final vai ser cada vez maior."
"Os alemães, espanhóis e italianos que estiveram cá (e isto é reconhecido pelo oficial de ligação que esteve a acompanhá-los) apresentam uma produtividade duas a três vezes maior do que a dos outros. E porquê? Gente treinada, gente disciplinada."
"Uma das minhas primeiras medidas, muito atacada, foi tentar criar uma central de compras. Para as corporações comprarem equipamentos, o SNBPC dá dinheiro aos bombeiros. Eles apresentam a factura do que compraram e o serviço paga. É evidente que cada corporação compra a sua viatura. Se as compras fossem centralizadas, era possível comprar 40, 50 de uma vez, com manutenções asseguradas, organizadas e o equipamento uniformizado. Assim sai muito mais caro ao Estado. Não tenho qualquer dúvida que as economias de escala permitiriam economizar cerca de 50 por cento."
© Vasco Eiriz. Design by Fearne.