2004-03-10

COMO DERROTAR O F.C. PORTO
Por Vasco Eiriz

Quer se goste quer não há uma cultura de alto desempenho no FC Porto. Essa cultura foi particularmente evidente na época que agora terminou ao ponto de, como os próprios dirigentes da instituição reconhecem, ter sido a melhor época de sempre do clube. Discutir se o principal responsável desse desempenho é o treinador, o presidente, o capitão ou as revelações é um exercício que faz pouco sentido. Na verdade, altos desempenhos como aquele que o FC Porto tem exibido só são possíveis quando se conjuga um número alargado de factores. Frequentemente, esta conjugação de factores facilita o enraizamento de culturas de sucesso. É evidente que o FC Porto atravessa uma fase destas. Há, contudo, uma dimensão desta cultura que merece um breve comentário.

A cultura do FC Porto é uma cultura em que o conflito tem um papel predominante e positivo. Por conflito deve entender-se o nível de desacordo existente entre duas ou mais partes em que pelo menos uma das partes percebe a(s) outra(s) como possuindo um comportamento que a dificulta ou impede de atingir os seus fins. No nosso entender, esta característica distingue claramente a cultura do FC Porto dos seus clubes rivais. Por exemplo, quando comparado com o FC Porto, o SL Benfica e particularmente o SC Portugal possuem culturas organizacionais que fomentam um muito baixo nível de conflito. Talvez, também por isso, os seus desempenhos relativos sejam claramente inferiores.

Ainda que não seja o único factor a justificar o sucesso, o que se verifica na cultura do FC Porto é que ela precisa de conflito como o peixe precisa de água; e aqui entenda-se o conflito como algo de incontornável e natural nas organizações e, como tal, não encerra nenhuma interpretação pejorativa. Nesta perspectiva, quando o conflito com os seus oponentes é mais intenso, onde os seus rivais vacilam, o FC Porto encontra energias adicionais. Só isto justifica que perante elogios dos seus adversários os dirigentes do clube fiquem inquietos, nervosos e desconfiados.

Não deixa, aliás, de ser curioso que à medida que a diferença de desempenho com os clubes rivais aumenta, o conflito com esses clubes se reduz. Paralelamente, o objecto de conflito reorienta-se para outras forças, com destaque para o Presidente da Câmara Municipal do Porto. Uma das razões porque isso acontece é, como se disse, a diferença gritante de desempenho entre o FC Porto e outros clubes portugueses.

Sendo assim, quando os adversários do FC Porto prosseguem estratégias altamente conflituosas é quando o clube encontra maiores energias para ser bem sucedido e ganhar campeonatos. Ora, a ser verdade este raciocínio, é recomendável que os principais adversários do FC Porto prossigam estratégias de baixo conflito com o clube da cidade invicta. Quando assim é, nestas situações de baixo conflito o clube não identifica com clareza adversários e tende a tornar-se vulnerável. Ou seja, a concorrência torna-se menos evidente, mais camuflada e em melhor posição de ataque.

Pior ainda é quando o conflito dos seus principais oponentes é substituído pelo elogio sincero. Nestas circunstâncias a coesão de organizações como a do FC Porto corre o risco de ser sujeita as processos de desintegração em benefício dos seus rivais.

Referência original: Eiriz, Vasco (2003), "Como derrotar o F.C. Porto", Jornal de Notícias (5 de Junho), p. 19
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