2005-05-27

Editorial
GESTORES DO FUTURO

Quando recentemente o primeiro-ministro desmentiu o ministro das finanças sobre o provável aumento dos impostos foi indelicado e deu um mau sinal para a economia e para o próprio Governo. Mas mais grave do que um primeiro-ministro desmentir um ministro é desmentir-se a si próprio. Foi o que Sócrates fez. Poucos dias depois de ter dito que não haveria aumento de impostos, o Governo que lidera decidiu aumentar em mais de 10 por cento a taxa máxima do IVA, uma série de outros impostos sobre o consumo, e nem o IRS escapou.

Só por isso, estas reviravoltas do primeiro-ministro são graves. Mais graves o são se atendermos a que este enredo em que se começa precisamente por fazer o contrário do prometido é já nosso conhecido de um outro filme em que Durão foi o artista principal. No caso de Durão Barroso poderá argumentar-se que foi uma cena original, poucos meses depois refeita com a redução do IRC. No caso de José Sócrates, estas deambulações revelam, no mínimo, uma elevada falta de prudência.

O historial dos cálculos do défice e a opção pelo cálculo de um défice previsional levam-nos a ter pouca confiança nos números agora apresentados. Em todo o caso, a acreditar no resultado do novo cálculo (até quando este valor?), as medidas anunciadas esta semana deverão permitir a redução do défice de 6,83 para 6,2 por cento do PIB no final de 2005. Se aplicarmos o mesmo rigor centecimal que subitamente atacou a classe dirigente, significa isto que as medidas agora decididas se traduzem por uma redução da taxa nuns escassos 9,22 por cento.

Pergunta-se: porquê um alarido tão grande e medidas tão "duras" provocam um efeito tão pequeno? Uma vez mais a resposta é simples: o Governo não foi suficientemente longe nas medidas de curto prazo sobre a despesa. Ou seja, no curto prazo preferiu ir pelo lado mais fácil e imediato da receita fiscal, enquanto as principais medidas do lado da despesa, geralmente mais impopulares, são diferidas. Enfim, uns autênticos "gestores do futuro".

O que caracteriza este modelo de finanças públicas conduzido por "gestores do futuro"? Basicamente caracteriza-se pelo diferimento das más notícias, de preferência para as gerações futuras, minimizando os efeitos nocivos de políticas públicas mais restritivas no curto-prazo. Talvez a melhor manifestação deste modelo foi a decisão de Guterres em construir auto-estradas "sem custos para o utilizador". As célebres SCUTS têm dado imensas receitas eleitorais, mas só agora começam a dar as primeiras despesas orçamentais. Ao que parece, a factura neste ano será ainda modesta, mais vai crescer exponencialmente nos próximos anos.

Pois bem, à semelhança do seu camarada, Sócrates também parece determinado a gerir recursos que o país não tem. Começa, aliás, a ensaiar-se uma outra manifestação, mais grave ainda, desta "gestão do futuro". Há já relatos de contratos de concessão de auto-estrados em regime SCUT que estão em renegociação do seguinte modo: o Estado é incapaz de cumprir os seus compromissos presentes de reembolsar as concessionárias das auto-estradas e, então, o problema resolve-se aumentando a duração da concessão! Uma autêntica pescadinha de rabo na boca!!

Este é só um exemplo de desgovernação porque, na verdade, há um conjunto bem mais alargado de decisões que implicariam de imediato um aumento da receita não fiscal ou redução da despesa. São decisões que implicariam, por exemplo, acelerar as privatizações colocando na iniciativa privada e/ou social uma série de funções que o Estado não deve exercer, actuar sobre as taxas reduzidas do IVA, reduzir drasticamente os subsídios que adormecem a economia, reestruturar e encerrar largas dezenas de serviços públicos, ou dar por terminada a ilusão de alguns projectos megalómanos de necessidade duvidosa. Infelizmente, resguardado em princípios difíceis de compreender, o Governo revela manifesta falta de coragem para tomar essas decições.
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