2005-09-16

Ensaio
CONSEGUIRÃO OS GESTORES PORTUGUESES COOPERAR?
Por Carlos Melo Brito
Professor Associado da Faculdade de Economia do Porto

O modo de encarar a gestão estratégica tem vindo a sofrer profundas alterações ao longo das últimas décadas. Fenómenos como a globalização e os avanços tecnológicos, designadamente no domínio das tecnologias de informação e comunicação, aliados à necessidade de conjugar flexibilidade estratégica com baixos custos têm implicações significativas no modo de gerir as organizações.

Nem todos os gestores têm, contudo, a mesma visão sobre estes factos. Assim, enquanto o alargamento dos mercados é com frequência encarado como uma ameaça – veja-se o que se tem dito acerca da recente integração dos novos membros da União Europeia -, os avanços tecnológicos têm sido vistos como fonte de oportunidades. Ora não é líquido que assim seja. Primeiro, porque se a globalização acarreta mais concorrência, também não deixa de ser verdade que cria novas oportunidades na medida em que abre perspectivas de mais e melhores negócios. Segundo, porque a evolução tecnológica não pode deixar de ser encarada como uma possível ameaça – ameaça para aquelas empresas que, não podendo, não querendo ou não sabendo modernizar-se, perderão necessariamente competitividade.

Tudo isto significa que a necessidade de adaptação e modernização não é um problema em si mesmo. Problema é não se saber lidar com ela. Problema é ser-se incapaz sequer de perceber até que ponto ela poderão afectar a vida de cada empresa. Por outras palavras, mais do que problemas, tais fenómenos deverão ser encarados como desafios.

Neste contexto, a questão que se coloca é clara: como poderão as empresas lidar com essas grandes tendências? Uma das respostas mais bem sucedidas tem-se processado ao nível do próprio modo como se estruturam e organizam. Depois de uma época em que o sucesso empresarial foi sinónimo de grande dimensão (anos 60), depois da fase em que o small se tornou beautiful (no seguimento dos choques petrolíferos da década de 70), é cada vez mais evidente que uma das maneiras de dar resposta aos desafios do mundo actual passa exactamente por se ser grande e pequeno ao mesmo tempo. Um paradoxo? Parece, mas não é. Vejamos como.

Actualmente, alguns dos maiores casos de sucesso empresarial têm, do ponto de vista organizacional, muito pouco a ver com as estruturas tradicionalmente difundidas pelos manuais de gestão e administração. Centrando a actividade nas suas core competences, empresas como a IKEA, Zara ou Nike têm vindo a apostar em estratégias de desintegração vertical que, em traços gerais, se caracterizam por outsourcing estratégico e redução do número de fornecedores, estreitamento das relações com clientes e mesmo parcerias com concorrentes.

Este tipo de estratégias assenta geralmente em arranjos organizacionais que na prática não são mais do que redes de empresas interligadas por interesses comuns e por uma forte coordenação de actividades. Trata-se no fundo de estruturas organizacionais de base modular que visam tornar as unidades económicas envolvidas mais ágeis e eficientes quer no aproveitamento de oportunidades de mercado quer no modo como lidam com eventuais ameaças.

Desde logo, isto representa uma alteração profunda nas relações clássicas ao longo da cadeia de valor. Com efeito, mais do que meros concorrentes, fornecedores ou clientes, os actores com quem uma dada empresa se relaciona começam a ser encarados como parceiros no negócio. Deste modo, apostando cada vez mais em estratégias do tipo win-win, em detrimento das clássicas win-lose, as unidades económicas procuram tornar-se mais ágeis no aproveitamento de oportunidades num mundo caracterizado por mutações rápidas e difíceis de prever.

Não se fique, no entanto, com a ideia de que tudo isto só se passa “lá fora”. Também em Portugal este tipo de organizações tem vindo a assumir importância crescente. A título de exemplo, refira-se apenas o caso da Logoplaste, terceira empresa europeia no domínio das embalagens rígidas em plástico.

A cooperação empresarial é, contudo, particularmente mal compreendida no nosso País. “Os gestores portugueses não conseguem cooperar”, “somos demasiado individualistas”, são frases recorrentemente ouvidas. Mas que revelam um grande desconhecimento sobre o que de facto é a cooperação empresarial.

A cooperação entre empresas assenta fundamentalmente em 4 C’s: Conjugação de interesses, Compartilha de recursos, Coordenação de actividades e Confiança. Gerir eficazmente relações de cooperação exige tanto ou mais profissionalismo do que gerir relações de concorrência. Aquilo que acontece é que para muitos gestores portugueses, cooperação interorganizacional confunde-se com amizade. Ora não tem nada a ver uma coisa com a outra. É possível dois empresários serem em amigos, sem que isso signifique que as suas empresas vão cooperar. Assim como também é possível que duas empresas colaborem sem que haja propriamente amizade entre quem as gere.

O que é importante é que se definam de forma exacta os domínios em que é possível cooperar. E para isso, há que identificar áreas de interesses comuns, complementaridades e compatibilidade, há que estabelecer de forma precisa com o que é que cada empresa vai contribuir (capital, know-how, acesso a mercados, pessoas), há que coordenar eficazmente actividades, etc.

Em suma, e respondendo à questão colocada no título deste artigo – “Conseguirão os gestores portugueses cooperar?” – a resposta é, obviamente, sim. Mas com uma condição: desde que o façam com profissionalismo e não com o amadorismo e “desenrascanço” que em tantas áreas caracterizam a forma de se ser português.


Carlos Melo Brito é doutorado em marketing pela Universidade de Lancaster (Reino Unido). Professor associado da Faculdade de Economia do Porto, tem vindo a reger disciplinas de marketing e estratégia, tanto a nível de licenciatura como de pós-graduação. Galardoado pela Fundação Eng.º António de Almeida por ter sido o melhor aluno a concluir o curso no seu ano, Carlos Melo Brito é licenciado em Economia pela Universidade do Porto e MBA pela Universidade Nova de Lisboa. É autor e co-autor de diversos livros de gestão, designadamente, Estrutura e Dinâmica do Sector do Vinho do Porto, Marketing Internacional, Os Horizontes do Marketing, Comércio Electrónico – Relação com Parceiros de Negócio e Resultados e Perspectivas das Empresas da Galiza e Norte de Portugal. Como consultor de gestão, tem colaborado com diversas entidades nacionais e estrangeiras, nomeadamente o Instituto do Vinho do Porto, a Comissão das Comunidades Europeias, o Consórcio da Zona Franca de Vigo, o grupo SONAE, a Fundação Eng.º António de Almeida, o INESC e a Fundação de Serralves.

Este artigo foi originalmente publicado na revista Ideias & Negócios, Nº 73, 2004.
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