2007-05-25

Distribuição de Dividendos
Por Vasco Eiriz

Empreender com fé
Há alguns meses, numa conferência sobre empreendedorismo, colocaram-me uma questão difícil. Não me recordo dos contornos precisos dessa questão mas, basicamente, um assistente atento perguntou-me se nos dias de hoje, caracterizados por elevados níveis de rivalidade e competição, ainda haveria lugar a iniciativas empreendedoras motivadas por razões de ordem altruísta. A questão foi colocada na sequência da comunicação em que destaquei o altruísmo como um dos incentivos ao empreendedorismo. Recordo-me de ter dito que, talvez nunca como agora, se assistiu a um movimento em que muitos empreendedores encontram motivos de ordem social e de natureza não lucrativa para as suas empresas e acções nos mais diversificados domínios da sociedade. Exemplifiquei com as inúmeras causas sociais e de voluntariado para protecção de franjas desfavorecidas da sociedade, nomeadamente idosos, doentes, crianças e grupos populacionais com dificuldades económicas. Geralmente estas iniciativas encontram-se estruturadas em organizações não governamentais, predominantemente de natureza não lucrativa. Citei exemplos conhecidos em Portugal, alertando de que o propósito dessas organizações não poderia ser cumprido sem recursos, organização, mobilização e acção. Enfim, sem uma atitude empreendedora. Mas se dúvidas restassem sobre os meus argumentos em prol da relevância do empreendedorismo social, dei o exemplo mais clássico deles todos; o da acção quotidiana da igreja, não só na ajuda espiritual mas também com apoio material. No final do encontro, em conversa particular percebi que a questão tinha partido de um colega de outra universidade. De imediato me convidou a participar numa iniciativa da Universidade Católica sobre empreendedorismo. Desde então tenho pensado um pouco mais no papel da Igreja e, talvez, por isso, não fiquei particularmente surpreendido ao saber que o International Journal of Entrepreneurship and Innovation vai publicar um número especial sobre empreendedorismo e religião e sobre empreendedores religiosos. Os editores convidados para o efeito constatam que o espaço e o discurso religiosos são raramente privilegiados nos estudos sobre empreendedorismo. A revista está interessada em explorar as práticas religiosas, seus processos, estruturas, normas, aspirações, discursos e dilemas éticos que se colocam no âmbito do empreendedorismo religioso, não necessariamente de origem cristã. Está ainda interessada na forma como as crenças religiosas moldam o contexto e influenciam as decisões dos empreendedores religiosos e suas redes empreendedoras, assim como a sua influência nas organizações, bem-estar individual e colectivo. Da minha parte, confesso, que também gostaria de ter um conhecimento mais detalhado e profundo do papel da igreja no fomento de iniciativas empreendedoras em Portugal.

Professores empreendedores
De tantas abordagens que recebo por causa do empreendedorismo, até já me ocorreu uma ideia de negócio. De facto, sou frequentemente contactado por várias entidades, da mais diversa natureza, por causa da formação em empreendedorismo ou para iniciativas de fomento à criação de empresas. Um dos aspectos que mais me atrai nestas iniciativas é o contacto com empresários e potenciais empreendedores. Certo dia, um empresário, daqueles que não dá ponto sem nó, até me disse que se encontrasse na minha disciplina de Empreendedorismo na Universidade do Minho alguma ideia em que valesse a pena investir que fosse ter com ele. Nunca fui ter com ele, não tanto porque as ideias dos meus alunos são, na maior parte dos casos, uma idiotice pegada, mas porque, em rigor, nunca me senti um pesquisador de novos negócios para terceiros. E, confesso, não tenho um plano de negócio para rentabilizar ideias geradas na academia, embora talvez tenha que começar a pensar nisso! Esta ideia até me parece interessante, mas também não duvido que se um professor apresentasse esta ideia ou algo assim arrojado numa universidade pública portuguesa, ela não só não vingaria, como esse professor ficaria incontornavelmente marcado, e a sua carreira dava um importante passo para terminar rapidamente.

As aventuras da AESE
Não se fique, contudo, com a ideia de que os professores empreendedores estão condenados. Há iniciativas notáveis que merecem ser realçadas. Uma dessas iniciativas está a ser implementada pela AESE, o braço para Portugal do IESE, prestigiada escola de negócios de Barcelona, também ela marcada pela religião. A AESE levou à prática o apoio à criação de empresas criando ela própria uma sociedade de capital de risco. O capital, no valor de 1,2 milhões de euros, é proveniente de algumas dezenas de ex-alunos que aceitaram o desafio lançado pela escola no âmbito da disciplina de Novas Aventuras Empresariais (NAVES) e vai daí criaram a NAVES, SA. O objectivo é investir em 10 empresas e naturalmente têm definido um modelo de selecção de empresas, participação na administração e saída do capital. Ora a criação de uma capital de risco no seio duma instituição de ensino é já algo quase banal e, por isso, o que mais me interessa aqui realçar não é a criação dessa empresa no seu sentido restrito mas sim a forma como foram detectados e articulados recursos em prol de um projecto empresarial que inequivocamente vai ter também efeitos positivos no projecto pedagógico dos seus promotores. Daí que esta iniciativa da AESE deva ser aplaudida e possa servir como exemplo não só para outras instituições de ensino mas também para outras entidades que queiram fomentar a criação de empresas.

Distribuição de Dividendos, uma coluna com estatutos desblindados que não necessita de autorização da assembleia geral para distribuir dividendos e garante OPAs céleres.
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