2007-08-23

Distribuição de Dividendos
Por Vasco Eiriz

Paradoxo na decisão pública
Há na governação à portuguesa paradoxos cujo sentido, por mais voltas que se dêem, são difíceis de descortinar. São, como digo, verdadeiros paradoxos. Um dos paradoxos que mais me assombra é o Governo querer controlar a despesa pública encerrando serviços (particularmente notável nos serviços de saúde, mas também, que me lembre, no ensino, justiça e segurança) em locais onde aparentemente são desnecessários e, em simultâneo, abalançar-se em projectos do tipo aeroporto da Ota ou TGV. Projectos esses que são defendidos com a mesma convicção que se defende por exemplo o encerramento de um serviço de atendimento permanente, quiçá num concelho ali mesmo ao lado da Ota ou numa freguesia por onde vai passar um TGV. E é este paradoxo que é difícil de entender. Mais grave quando se sabe que o mesmo Governo que encerra vários serviços pelo país fora quer que todos os concelhos do país (e para quem não sabe, são 308 concelhos) tenham até 2013 uma loja do cidadão (existem actualmente sete lojas). Alguém consegue elucidar-me sobre a consistência destas opções?

Tou chim? Não é para mim!
Quando pela primeira vez cheguei a Inglaterra, uma das coisas que mais me impressionou foi o sistema de reciclagem instalado e a forma como o mercado valorizava bens de consumo em segunda mão (livros, electrodomésticos, bicicletas, etc., etc.). Foi aí que percebi uma das dimensões do conservadorismo britânico, neste caso, um conservadorismo integralmente literal no sentido da palavra. Tudo aquilo me deixou perplexo porque, afinal de contas, eu era originário de um país pobre e tinha entrado num país rico que sempre esteve na vanguarda da inovação. Passaram-se bastantes anos e o certo é que, apesar de Portugal possuir já uma grande preocupação com a reciclagem do lixo doméstico, socialmente o panorama não é substancialmente distinto. Por isso mesmo, não foi surpresa verificar que aproximadamente 30 corporações de bombeiros portugueses efectuaram uma recolha de telemóveis em desuso para aproveitamento de componentes para revenda noutros mercados. Toda a operação foi organizada por … uma empresa britânica de seu nome Fonebak. E sabem para onde foram enviados os telemóveis para desmontagem e aproveitamento? Claro, para Inglaterra. Um país rico, o nosso!

Sinais
No curto período de algumas semanas, soube-se da saída de Portugal de duas empresas paradigmáticas nos seus sectores de actividade: Tele 2, maior operador europeu "independente" de telecomunicações; e Carrefour, o maior retalhista europeu e o segundo maior do mundo. Além de estarmos perante empresas de referência, as duas operações de alienação tiveram mais um ponto comum: o comprador. Ambas foram adquiridas pela Sonae, o maior grupo privado português. Mas, já agora, temo que haja uma outra característica comum às duas operações: o risco de a maior concentração daí resultante para os dois mercados em causa poder colocar problemas de concorrência. Há, finalmente, algo que me preocupa ainda mais: porque saem estas empresas de Portugal? Se nos tínhamos habituado a que muitas empresas industriais abandonassem Portugal por falta de condições competitivas em termos de custos, porque é que este movimento de saída se alarga a outros sectores, para além da indústria? E será que o facto de se tratarem de alienações e não simples encerramentos, não deve preocupar o Governo, sindicatos, fornecedores, clientes e demais agentes económicos?

Distribuição de Dividendos, uma coluna com estatutos desblindados que não necessita de autorização da assembleia geral para distribuir dividendos e garante OPAs céleres.
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