2007-08-01

Episódios da vida académica 28

A figura do professor descartável não me era completamente estranha. Eu já sabia que alguma comunicação social descarta professores, o próprio Governo vai-se descartando dos professores, as universidades e institutos politécnicos também se descartam de muitos dos seus professores, há até uma espécie bastante activa que também se descarta de professores que são seus colegas. O fenómeno dos professores descartáveis não me era, por isso, de todo desconhecido. Apesar disso, foi com alguma estranheza que tomei conhecimento de um professor descartado por um aluno. Assim, friamente, sem dó nem piedade. Com menos cuidado do que quando dobro as fraldas descartáveis da Sofia.


O fenómeno foi tanto mais estranho, se atendermos a que entre aquele professor e aluno havia uma relação que era cordial e de respeito mútuo. O aluno era conhecido do professor não tanto por ter sido seu aluno, mas sobretudo porque ele tinha exercido funções relevantes de dirigente associativo quando o profesor era director do seu curso. Além da empatia, estabeleceu-se entre eles uma relação de cooperação e grande entendimento sobre as questões pedagógicas e outras com que se confrontavam diariamente na sua universidade.

O tempo passou. Até que, chegada a altura do aluno realizar o seu estágio final de curso, convidou aquele professor para seu orientador. Em 2004 foram tomadas todas as decisões sobre o estágio e o seu planeamento final e formalização ocorreu em 22 de Julho daquele ano. Ou seja, além da escolha do orientador interno, orientador externo na empresa receptora, tema do estágio, funções na empresa e objectivos, foi também definida a data de início e de fim do estágio. O estágio decorreu numa importante empresa de seguros, ao que parece, com normalidade entre 3 de Agosto e 8 de Outubro de 2004. Embora durante aquele período de tempo o aluno não tenha recorrido em demasia aos préstimos do seu orientador, tudo parecia decorrer com normalidade.

Como é seu hábito, aquele professor organizou um seminário com vários estagiários que orientava no início do ano lectivo de 2004-2005, precisamente na fase inicial do ciclo de estágios. Entendeu o professor que no caso daquele aluno, o seminário a realizar em Outubro, precisamente no final do seu estágio, funcionaria como um incentivo à conclusão do relatório respectivo. Não foi bem assim. Aquele aluno foi o único a não preparar devidamente o seminário ao ponto de descurar completamente a apresentação que lhe era pedida. Questionou, inclusive, a sua participação no seminário porque no dia seguinte teria que partir para um país de leste em representação duma empresa de calçado integrada numa delegação do ICEP! Missão estranha para quem estagiou numa empresa de seguros da qual era aliás mediador. Apesar do descuido ter sido significativo, o professor entendeu que não era nada que não pudesse ser colmatado rapidamente com a elaboração do relatório em falta.

O certo é que desde que esse seminário foi realizado em 8 de Outubro de 2004, jamais aquele professor viu qualquer resultado do aluno. Até Junho de 2007, em que, por mero acaso, se cruzaram no corredor do gabinete do professor. Apesar da estranheza que o encontro lhes provocou, cumprimentaram-se novamente com cordialidade. O aluno vinha de conversar com a directora do curso (o professor tinha deixado a direcção do curso já antes do início do estágio do aluno) precisamente sobre o estágio e informa, naquele preciso momento, o orientador de que iria desistir do estágio e que formalizaria o acto por e-mail.

Passado algumas semanas, o aluno envia um e-mail à directora do curso com conhecimento ao professor, no qual dá conta da sua intenção:

"Boa tarde, venho por este meio solicitar o cancelamento do meu termo de estágio em vigor. Aproveito o momento para agradecer ao Prof. toda a colaboração e empenho demonstrado, pedindo desculpas por não levar os intentos a bom porto. Saudações académicas."

Em resumo, aquele aluno não fez mais do que empatar a sua vida e a do seu orientador durante três anos, situação agravada pela desconsideração enorme com que lidou com o seu orientador não só durante o estágio, como também na forma indelicada e por explicar como o cancelou. Situação tanto mais estranha se atendermos a que tinham uma relação aparentemente mais próxima do que o normal numa relação professor-aluno. É inequivocamente, como referi, uma história em que o professor foi literalmente descartado pelo aluno.

Agora que penso no assunto e me lembro dos inúmeros episódios que me contam sobre professores distantes dos seus orientandos, fico sempre na dúvida sobre os verdadeiros motivos de muitas relações orientador-orientando não serem bem sucedidas.

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