2010-07-16

Parque das Caldas

Deslize leve, levemente
Por Vasco Eiriz de Sousa

O deslize estratégico é matéria fascinante na dinâmica das organizações. O deslize caracteriza todas aquelas organizações que andam ao sabor dos ventos, sem um propósito claro e direcção de objectivos definida. Nestas situações, quando o ziguezague já não é mais comportável, chega o deslize. O desempenho cai progressivamente e começa a sentir-se mal-estar. O curioso no deslize é que nem sempre se sente e só os gestores mais avisados dão por ele. No Portugal de hoje existem muitos exemplos de deslize estratégico. É o caso de muitas câmaras municipais e do principal campeonato nacional de futebol. Para não falar em todo o país, claro.

O caso das câmaras municipais é exemplar porque ele corresponde a um processo que dura há vários anos. A velocidade e declive desse deslize dependem não só da envolvente política de gestão mas também de um contexto cada vez mais competitivo no acesso aos recursos disponíveis no poder central ou noutras fontes públicas e privadas. Ao longo do tempo, os financiamentos públicos do Estado e da União Europeia limitaram e amorteceram o deslize em vez de estimular a mudança que a queda de desempenho exigia. Quando assim é, há necessidade de mudar, mas o progressivo adiar da mudança pode levar a rupturas, por vezes inevitáveis.

Quando acentuado, ao deslize segue-se, mais cedo ou mais tarde, uma mudança transformacional, tanto mais intensa quanto mais adiada. Inevitavelmente, quanto maior o deslize, maior a ruptura, sendo, não poucas vezes, imposta de fora. No caso das câmaras municipais, a imposição de limites ao endividamento é um pequeno exemplo de contenção imposta por via legislativa.

O caso do futebol – para todos os efeitos um sector de actividade económica – é uma outra boa representação do deslize estratégico. São conhecidos alguns sintomas e consequências desse estado de coisas: descapitalização dos clubes, diminuição das assistências aos jogos, escalada de custos, não cumprimento fiscal, queda nos "rankings" internacionais de clubes, ambiente de suspeita generalizada e descrédito na verdade desportiva. Quando assim é, a transformação é necessária. O cenário da falência (deixar de haver campeonato de futebol) não parece plausível, embora essa eventualidade se tenha vindo a colocar para alguns dos operadores do sector.

Muitas vezes verifica-se que os ventos de mudança e os indicadores positivos de desempenho que se anunciam não passam de fantasias que mascaram os verdadeiros problemas das organizações. Nestes casos, é frequente muitas organizações voltarem a entrar em situação de aparente retoma. No exemplo apontado, a aparência da retoma pode ser o dos clubes de futebol que, não obstante estarem tecnicamente falidos, acumulam resultados desportivos positivos. Ou câmaras municipais que no seu quotidiano continuam a dar uma aparência faustosa.

Acontece que estas situações não são sustentáveis indefinidamente no tempo. Por isso, não raras vezes, o ziguezague e a falta de rumo voltam a instalar-se, pronunciando um deslize mais acentuado.

Cabe aos gestores terem a visão necessária e desencadearem a transformação e revitalização de que muitas organizações carecem. Nada melhor do que momentos de dificuldade para o fazer.

Vasco Eiriz de Sousa é editor do blogue Empreender. Parque das Caldas é uma coluna sobre temas locais.
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