"Ich bin ein Berliner". "Sou um berlinense". Foi assim que John F. Kennedy se dirigiu aos berlinenses em 26 de Junho de 1963. Endereçava desta forma uma mensagem de esperança à cidade enclausurada por um muro. Meses depois morria assassinado e Berlim dava o nome de Kennedy à praça em que discursou. Já lá vão quase 50 anos.
Desconheço em absoluto os exactos termos da mensagem que o primeiro-ministro (PM) de Portugal levou à Alemanha em visita recente realizada a convite do chanceler. Mas não deve ter dado a imagem de um berlinense. Os tempos são outros e neste canto do mundo a luta pela liberdade faz-se sobre a forma de taxas de juro, não de muros. O ponto Charlie já não existe e deu lugar aos pontos da Euribor.
Sócrates não é Kennedy. Mas que a recente visita do PM à Alemanha é a todos títulos paradigmática e simbólica, lá isso é. O avistamento com Angela é um episódio muito significativo que simboliza o que Portugal é hoje no país e no mundo.
A Alemanha – motor da Europa, capital da tecnologia e da engenharia, líder em exportações, pátria do Lidl e do Media Markt, aquela mesma que nos envia os mercedes, bê-emes, e os audis, – recebeu o nosso engenheiro. E este lá foi com classe. Executiva, muito provavelmente, que isto de classe económica é para os comuns.
Não consta que o PM tenha levado Magalhães na bagagem. Muito menos os seus famosos planos tecnológicos (lembram-se?) ou aerogeradores para energia eólica. Para além da habitual troca de pontos de vista e posições diplomáticas, na verdade não deve ter levado nada de substancial. Muito provavelmente limitou-se a auscultar as "firmes intenções" de Angela. E, para além disso, ter-lhe-á pedido crédito, em todos os sentido (em linguagem diplomática, procurou "sensibilizar a posição alemã para com a especificidade portuguesa"), com um sem número de álibis, desculpas e promessas que só Sócrates consegue desferir naquele seu tom sério e convicto como quem apregoa a coisa mais séria que acabou de acontecer no mundo.
Para todos os efeitos foi uma viagem marcante que nos deixou perplexos e a interpretar os sinais. E que sinais são esses? O que fica no imaginário desta visita?
Fica a imagem de um engenheiro formado na melhor tradição duma "certa-engenharia-muito-portuguesa" a levar a mensagem a Merkel, a chanceler com doutoramento em física, escassos três anos mais velha do que Sócrates que em público se limitou a ser cortês com o seu convidado. Talvez demasiado cortês, embora conste que não lhe prometeu nada. Por sua vez, o convidado fez lembrar o tradicional presidente de junta de freguesia que de chapéu estendido é recebido pelo presidente de câmara para que haja uns entendimentos na matéria.
E o nosso PM lá foi. A imagem é agora diferente do homem da junta: Sócrates não enverga chapéu e veste Armani. Faz jogging e mantém alguma da sua forma. Podia ter feito a sua corridinha e, qual Kennedy, proclamar: "Em Berlim faço jogging". Mas nem isso.
Para além de disfarçar bem, o nosso PM terá alguns dotes apreciados na política europeia. Que isto da soberania de países com 800 anos de história e rodeados com muita água de mar tem muito peso e oferece garantias. Tanto peso que a elite financeira europeia terá pensado: «um por cento por cada 100 anos de história; fiquem com a água».
É esta, grosso modo, a taxa de juro. Feitas as contas já está nos oito por cento! Quer se goste, quer não – e o povo cada vez gosta menos –, tudo tem um preço. Até a história.
Entretanto, uma certa elite portuguesa – sim, ela também existe por cá – pensou que a visita até não correu mau. Ou seja, para muitos a festa continua. Com mercs ou sem mercs.
No rescaldo da visita, pareceu ouvir-se o sorriso cínico de um empresário de um qualquer vale. Daquele empresário em quem a tal elite tanto gosta de zurzir por ele ter um Ferrari (coisa nada alemã, diga-se de passagem) e ser um "energúmeno empresarial". Mas o certo é que ele foi o último sorrir.
Ich bin ein Berliner.
Crónica publicada no Jornal de Barcelos, 16 de Março de 2011, p. 31.