2011-03-25

Um traidor dos nossos


"Ich bin ein Berliner". "Sou um berlinense". Foi assim que John F. Kennedy se dirigiu aos berlinenses em 26 de Junho de 1963. Endereçava desta forma uma mensagem de esperança à cidade enclausurada por um muro. Meses depois morria assassinado e Berlim dava o nome de Kennedy à praça em que discursou. Já lá vão quase 50 anos.

Desconheço em absoluto os exactos termos da mensagem que o primeiro-ministro (PM) de Portugal levou à Alemanha em visita recente realizada a convite do chanceler. Mas não deve ter dado a imagem de um berlinense. Os tempos são outros e neste canto do mundo a luta pela liberdade faz-se sobre a forma de taxas de juro, não de muros. O ponto Charlie já não existe e deu lugar aos pontos da Euribor.

Sócrates não é Kennedy. Mas que a recente visita do PM à Alemanha é a todos títulos paradigmática e simbólica, lá isso é. O avistamento com Angela é um episódio muito significativo que simboliza o que Portugal é hoje no país e no mundo.

A Alemanha – motor da Europa, capital da tecnologia e da engenharia, líder em exportações, pátria do Lidl e do Media Markt, aquela mesma que nos envia os mercedes, bê-emes, e os audis, – recebeu o nosso engenheiro. E este lá foi com classe. Executiva, muito provavelmente, que isto de classe económica é para os comuns.

Não consta que o PM tenha levado Magalhães na bagagem. Muito menos os seus famosos planos tecnológicos (lembram-se?) ou aerogeradores para energia eólica. Para além da habitual troca de pontos de vista e posições diplomáticas, na verdade não deve ter levado nada de substancial. Muito provavelmente limitou-se a auscultar as "firmes intenções" de Angela. E, para além disso, ter-lhe-á pedido crédito, em todos os sentido (em linguagem diplomática, procurou "sensibilizar a posição alemã para com a especificidade portuguesa"), com um sem número de álibis, desculpas e promessas que só Sócrates consegue desferir naquele seu tom sério e convicto como quem apregoa a coisa mais séria que acabou de acontecer no mundo.

Para todos os efeitos foi uma viagem marcante que nos deixou perplexos e a interpretar os sinais. E que sinais são esses? O que fica no imaginário desta visita?

Fica a imagem de um engenheiro formado na melhor tradição duma "certa-engenharia-muito-portuguesa" a levar a mensagem a Merkel, a chanceler com doutoramento em física, escassos três anos mais velha do que Sócrates que em público se limitou a ser cortês com o seu convidado. Talvez demasiado cortês, embora conste que não lhe prometeu nada. Por sua vez, o convidado fez lembrar o tradicional presidente de junta de freguesia que de chapéu estendido é recebido pelo presidente de câmara para que haja uns entendimentos na matéria.

E o nosso PM lá foi. A imagem é agora diferente do homem da junta: Sócrates não enverga chapéu e veste Armani. Faz jogging e mantém alguma da sua forma. Podia ter feito a sua corridinha e, qual Kennedy, proclamar: "Em Berlim faço jogging". Mas nem isso.

Para além de disfarçar bem, o nosso PM terá alguns dotes apreciados na política europeia. Que isto da soberania de países com 800 anos de história e rodeados com muita água de mar tem muito peso e oferece garantias. Tanto peso que a elite financeira europeia terá pensado: «um por cento por cada 100 anos de história; fiquem com a água».

É esta, grosso modo, a taxa de juro. Feitas as contas já está nos oito por cento! Quer se goste, quer não – e o povo cada vez gosta menos –, tudo tem um preço. Até a história.

Entretanto, uma certa elite portuguesa – sim, ela também existe por cá – pensou que a visita até não correu mau. Ou seja, para muitos a festa continua. Com mercs ou sem mercs.

No rescaldo da visita, pareceu ouvir-se o sorriso cínico de um empresário de um qualquer vale. Daquele empresário em quem a tal elite tanto gosta de zurzir por ele ter um Ferrari (coisa nada alemã, diga-se de passagem) e ser um "energúmeno empresarial". Mas o certo é que ele foi o último sorrir.

Ich bin ein Berliner.

Crónica publicada no Jornal de Barcelos, 16 de Março de 2011, p. 31.
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