2011-10-31

Democracia local

O Primeiro-Ministro apresentou o Documento Verde da Reforma da Administração Local em 26 de Setembro. É curto, fácil de ler e objectivo. Mais do que uma proposta fechada, o documento pretende abrir um debate «com o objectivo de no final do 1.º semestre de 2012 estarem lançadas as bases e o suporte legislativo de um municipalismo mais forte, mais sustentado e mais eficaz» (p. 5).

A maior critica que lhe pode ser apontada é ele suscitar tantas ou mais interrogações do que respostas. Por outro lado, elenca de forma relativamente exaustiva os principais problemas do municipalismo português. E abre algumas vias para as reformas. Reformas essas que, é já possível constatá-lo, não irão tão longe como possível ou desejável.

A «reforma da administração local» passa por quatro eixos principais: sector empresarial local; organização do território; gestão municipal, intermunicipal e financiamento; e democracia local. De entre estes eixos é o da organização do território que provavelmente continuará a captar maior atenção pública. Apesar disso, os outros três eixos são também eles importantes.

Pretendo neste breve texto dar um contributo para o eixo da democracia local. Desde logo para assinalar positivamente os seguintes aspectos que me parecem essenciais para a administração local conquistar maior eficácia e controlo, sem perder democraticidade: i) o eleitor passa, a nível concelhio, a votar para um único órgão, a Assembleia Municipal (AM); ii) a Câmara Municipal (CM) torna-se homogénea na medida em que todos os vereadores são escolhidos pelo presidente da CM de entre os deputados municipais; iii) a AM vê reforçados os seus poderes de fiscalização sobre a CM; e iv) há uma redução do número de vereadores.

Genericamente, concordo com estas ideias. Mas elas levantam algumas dificuldades e dúvidas que vale a pena debater. Em primeiro lugar, de entre os pontos assinalados, o mais difícil de alcançar será o do reforço do poder fiscalizador da AM. Mas não há volta a dar: se pretendemos executivos mais orientados para a acção, onde a eficácia política se sobreponha ao debate político, então é necessário que a AM se torne no centro do debate político, adquirindo mais competências. Além disso, na sua constituição e direitos de voto é importante que ela tenha maior distanciamento e independência em relação à CM para que possa exercer plenamente o seu papel fiscalizador, algo que não ocorre presentemente.

A redução do número de vereadores é também ela necessária. Todos eles passarão a ser da escolha do presidente da CM (este será o cabeça-de-lista à AM da força política que tiver maior número de votos). No modelo proposto não se compreende, contudo, que se mantenha a actual distinção entre vereadores a tempo inteiro (e que, nessa condição, usufruem um ordenado) e os outros vereadores que se limitam a participar nas reuniões da CM recebendo uma modesta senha de presença.

A questão é incontornável: qual é afinal de contas o interesse em manter, para além dos vereadores a tempo inteiro, outros vereadores escolhidos pelo presidente da CM que não estão a tempo inteiro? Para abanarem a cabeça ao ritmo do presidente?! Confesso que a única explicação que vislumbro é a cedência ao «lobby autárquico» (sim, ele existe e é poderoso).

Na verdade, se é contra-natura manter vereadores da oposição no executivo, não será estranha, por maioria de razão, a manutenção da figura de vereadores que não estejam a tempo inteiro? Ou será que se pretende que o presidente possa escolher «vereadores da oposição» para assegurar o apoio parcial ou total da AM?! Confuso.

Em síntese, no modelo proposto não vejo benefícios da existência de vereadores na CM que não estejam a tempo inteiro. Se se pretende que eles exerçam controlo e fiscalização, então o seu lugar é na AM e não na CM. Da clarificação deste aspecto, ficaremos com uma ideia mais nítida se o modelo proposto melhora ou não a democracia local.

Artigo publicado no Jornal de Barcelos de 26 de Outubro de 2011.
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