2012-09-23

Com as calças na mão

Com as calças na mão. António comprou dois pares de calças por 50 euros. Se tivesse comprado um único exemplar teria pago 30 euros. Comprando dois exemplares pagou o equivalente a 25 euros por cada par de calças. Uma poupança de 10 euros.

Há várias formas de olhar para este negócio. Uma delas mostra obviamente que a despesa efectuada foi de 25 euros por cada par de calças, num total de 50 euros. Numa outra perspectiva – bem mais comedida e conservadora – é possível afirmar que António gastou 50 euros pela compra de calças, adquirindo dois pares quando, eventualmente, um único par lhe seria suficiente.

Há uma outra perspectiva que é tanto ou mais comum do que as anteriores. Trata-se de olhar para este negócio como uma "poupança" de 10 euros, precisamente a diferença entre o que custaria comprar dois pares isoladamente ou separadamente. Este comportamento é muito comum. Provavelmente o mais comum. Ele acontece porque, duma forma geral, todos os compradores gostam de realçar os seus feitos e procurar argumentos auto-justificativos e laudatórios para as suas decisões.

As notícias que surgiram nas últimas semanas sobre a renegociação em curso encetada pelo Governo em várias parcerias público-privadas mostram-nos a perspectiva da "poupança". Dizem-nos quantos milhões se pouparam aqui e ali, nesta ou naquela parceria, mas nunca somos elucidados de forma completa da despesa efectuada. Através dessas notícias soltas ficamos a saber quanto o Estado "poupou" neste ou naquele contrato, mas nada ou muito pouco nos é dito sobre quanto custou a autoestrada A ou o hospital B. Ou seja, está a suceder o mesmo que aconteceria se António não soubesse quanto lhe custou cada par de calças.

E ao comportar-se assim, o Governo, o Estado continuam a fugir à realidade dos números. Uma realidade que, infelizmente, é também comum a muitos dos 308 municípios portugueses. De facto, quando alguém compra umas calças não deveria alegar que "poupou" 10 euros. Quando muito, no caso de dinheiro público, esse alguém deveria questionar-se se são mesmo necessários dois exemplares por 50 euros ou se um exemplar de 30 euros seria suficiente. Fazendo-o, comprando um só par de calças, poderia talvez afirmar-se que a "poupança" foi de 20 euros. O dobro de 10 euros, tratando-se, isso sim, duma efetiva contenção da despesa. Sendo certo que existe uma outra alternativa, bastante plausível nos dias que correm: não comprar calças novas porque, pura e simplesmente, não existe dinheiro e o Estado está com as calças na mão.

Duma vez por todas, devemos enfrentar a realidade dos números. Enquanto não existir informação completa e transparente sobre os negócios do Estado e dos municípios com entidades opacas que nunca são plenamente identificadas, não é possível haver escrutínio público. Para além de completa, essa informação deve ser clara e ter a mesma simplicidade de um simples negócio de calças.

Artigo publicado no Jornal de Barcelos, 19 de setembro de 2012, p. 23
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