2012-12-17

Os três da vida airada

O tema do serviço público de televisão é recorrente. Mas, afinal de contas, o que é um serviço público de televisão? Deve haver um serviço público de televisão? Se sim, de que forma? Questões simples, mas de resposta difícil e não consensual.

Por exemplo, um serviço público de televisão deve obrigar à transmissão dos jogos da seleção nacional de futebol? E dos jogos da seleção nacional de ténis de mesa? Onde começa e acaba o serviço público? E uma final da Taça de Portugal entre o FC Porto e SL Benfica no Estádio Nacional? E se forem à final o Atlético da Beira de Cima e o Sport Club da Beira de Baixo no campo de Oeiras? E os inenarráveis tempos de antena, sejam eles do partido do poder ou da associação socioprofissional das formiguinhas trabalhadoras? Porque sim, porque não? Quem define e com que critérios o serviço público de televisão?

Em síntese, a definição e a sua aplicação é subjetiva. E sujeita a inúmeros interesses comerciais. Tratando-se ainda por cima de um serviço transmitido em canal aberto (isto é, de acesso não pago), num sector em que está vedada por lei a entrada de novos operadores para além dos três instalados (RTP, SIC e TVI), as questões colocadas são ainda mais importantes. Venham algumas respostas.

No atual contexto social, jurídico e tecnológico talvez faça sentido manter um serviço público de televisão, sobretudo porque o número de operadores (RTP, SIC e TVI) e a sua diversidade é demasiado escassa. Não parece, contudo, que o serviço público de televisão deva ser prestado por um único operador, seja ele público ou privado. Este serviço deveria ser uma obrigatoriedade de todos os operadores que beneficiam de um mercado protegido por lei.

Por outro lado, não é viável continuar a imaginar o negócio da TV como um oligopólio altamente protegido de três operadores. A televisão digital terrestre (TDT) criou as condições tecnológicas para terminar com uma paisagem televisiva tão pobre em canal aberto. Daí, não ser aceitável que não tenha sido ainda autorizada a entrada de novos operadores e/ou canais, algo justificável exclusivamente pelos interesses instalados não só dos três operadores existentes mas também de dois distribuidores de televisão paga (Zon e Meo), um dos quais é paradoxalmente gestor da infraestrutura da TDT. E a provar que nesta matéria o ridículo anda solto na rua, há o risco do canal Parlamento ser o primeiro canal que nos acrescentarão na grelha pública da TDT.

Embora, como se viu, se possam avançar argumentos louváveis para defender a necessidade dum serviço público de televisão – algo que aqui não se rejeita –, a verdade é que o verdadeiro serviço público de televisão deixou há muito tempo de ser público. É privado e frequentemente de origem estrangeira e é transmitido por canal fechado e pago (cabo ou satélite). Refiro-me, por exemplo, a canais especializados como SIC Notícias, RTP Informação (mais um paradoxo, o de um canal público servido em privado) e TVI 24 (notícias nacionais); BBC News e CNN (notícias internacionais); Discovery e National Geographic (documentários); Eurosport e ESPN (desporto); História e Bio (história); Panda e Disney (crianças); ou os inúmeros canais especializados em música, incluindo música clássica.

É verdade: o verdadeiro serviço público deixou de ser público e gratuito há muito tempo. É predominantemente privado e tem que ser pago generosamente todos os meses. Uma efetiva preocupação com o serviço público de televisão que não seja restringida pelos interesses instalados dos operadores existentes, sejam eles privados (SIC e TVI) ou públicos (RTP), ou pelos interesses dos distribuidores de serviços pagos por cabo e satélite (fundamentalmente Zon e Meo) deve permitir o acesso ao espaço público de televisão (TDT), para além do "incrível" canal Parlamento, de pelo menos um novo operador de TV generalista e alguns canais especializados. Alguns destes canais especializados podem até ser servidos por RTP, SIC e TVI, mas aos três da vida airada é preciso acrescentar novos concorrentes. É isto que acontece em vários países. Não é pedir demais. Não há forma mais simples do que esta para reforçar o serviço público de televisão.

Artigo publicado no Jornal de Barcelos, 5 de dezembro de 2012, p. 23.
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