2014-12-28

Personalidade do ano

Se este blogue escolhesse a personalidade do ano, a distinção de 2014 iria para o burro deste presépio.



É isso mesmo: o presépio que está a ver não tem burro. Ficou sem burro porque o animal cansou-se de ser burro e fugiu. Com este ato de bravura, carregado de profundo simbolismo, o burro arrecadou a distinção que agora se lhe confere.

No momento desconhece-se se o burro foi fazer um mestrado em filosofia em Paris, visitar o sobrinho em Zurique, fazer férias na Comporta, ou dar aulas em Luanda. Deve ter pensado o que todos pensam - «e o burro sou eu?» - e farto disto tudo desapareceu em lugar incógnito deixando na vaca o encargo do bafo e do aquecimento central. Deixou a vaca, as ovelhas e todos na mais profunda solidão. Não foi sequer sensível ao menino. «Que se amanhem», deve ter pensado.

O burro teve a coragem que nos falta a todos nós. Rompeu com a cultura instituída; colocou em causa muitos dos pressupostos e crenças reinantes na sociedade - a de que ele teria que estar ali incógnito ao lado da vaca a fazer a figura de sempre, aquela que dele se espera - e, num ato de rara determinação como já não se vê numa sociedade cobarde, provocou uma ruptura no modus vivendi do presépio, onde, apesar de tudo, continuam as principais personagens.

Pela sua coragem, sentido de oportunidade e por tudo aquilo que nos mostra o seu gesto, se este blogue escolhesse a personalidade do ano, o burro deste presépio mereceria o nosso inteiro reconhecimento. Viva o burro.
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