2004-05-21
PRIVATIZAÇÃO DA COMPETÊNCIA. A contratação do novo Director-Geral dos Impostos e a definição do seu salário tem suscitado comentários de vária natureza. Os comentários que mais retiveram a nossa atenção foram aqueles que tendem a justificar o salário com base em princípios de racionalidade económica. Nesta linha de pensamento ouvem-se argumentos de que (i) a competência de um gestor de topo tem de ser remunerada de acordo com a sua produtividade, (ii) dado os elevados salários pagos no sector privado para esse tipo de profissionais, estes terão competências superiores aos profissionais no sector público e, (iii) um elevado salário não implica necessariamente um desperdício de recursos uma vez que os resultados da actividade de um gestor de topo pode largamente compensar o investimento nele efectuado. Tendo estes argumentos algum fundamento, uma vez que remuneração e produtividade deverão estar intrinsecamente associados, o que nos deverá inquietar é a privatização da competência. Aparentemente a dicotomia entre sector público e sector privado pode ser substituída pela dicotomia entre profissionais menos competentes (que se encontram no sector publico) e profissionais mais competentes que são um exclusivo do sector privado. Se assim não fosse, porque não foi escolhido um profissional do sector público e definido o seu salário de acordo com o seu nível de competência, sem qualquer restrição de natureza legal ou administrativa? Mais preocupante pode ainda ser a aplicação deste tipo de argumentos à generalidade dos funcionários públicos; o investimento neles efectuados (isto é, o salário que auferem) não permite acréscimos de produtividade; o congelamento de salários nada tem a ver com restrições orçamentais; uma análise comparativa entre salário pago e desempenho observado poderá levar à conclusão de que o investimento neles efectuado tem uma elevada taxa de retorno.