2007-11-09

EmpreenLer

Mercenário? Com todo o prazer
Por Pedro Chagas Freitas

Desde pequeno que nos é incutida – como se de uma verdade universal se tratasse – a ideia de que o adjectivo “mercenário” é algo de hediondo, de terrível. Catalogar alguém de mercenário é colocar-lhe por cima um carimbo que o exclui – pelo menos enquanto os restantes não puderem dele extrair uns cobres para se sentirem recompensados por terem como amigo um mercenário – das boas-graças da sociedade.

Pessoalmente, nada tenho contra os mercenários. E tenho uma razão bem clara para isso: preciso de comer. E, como preciso de comer para me manter vivo, terei de me submeter aos ditames de uma organização social que me obriga – ó nobre injustiça – a ter dinheiro para comer; e, mais do que isso, a ter de tudo fazer para suprir essa necessidade.

Por esta altura, estará, provavelmente, o nobre leitor a esgrimir argumentos (plausíveis, é certo, mas incapazes de lhe dar – ao leitor – qualquer tipo de ajuda no que concerne à sua necessidade de comer) como “o dinheiro não é tudo” e “aqui está mais um canalha que até vende a própria mãe por dinheiro”. Neste ponto, devo realçar – passe o pleonasmo – dois pontos: 1) o dinheiro não é, de facto, tudo na vida e eu sou, de facto, um canalha – o que não acrescenta, parece-me, qualquer facto relevante ao debate em vertente; 2) sem dinheiro, tudo o que pulula à volta do dinheiro – por mais belo que seja – limita-se a ser uma sensação de fome. Expliquemos para se tornar mais claro: é bom estar apaixonado? Sim. É bom estar de bem com a vida e com quem nos rodeia? Sim. Mas a questão que se tem – a bem da verdade e do rigor científicos na abordagem desta problemática – de colocar é só uma: serei eu, quando esfomeado, capaz de sentir prazer enquanto amo? Ou: será que de barriga vazia me vale de alguma coisa ter muitos amigos e gostar de estar com eles? Não creio.

Abomino, em consequência disso mesmo, todos aqueles que discorrem com mestria assinalável e pureza aparente sobre a perfídia do dinheiro e de quem por ele se vende; abomino, sobretudo – e chamem-me louco, chamem-me inconsciente, chamem-me, até, dirigente desportivo –, todos quantos recebem chorudas maquias para falarem mal do dinheiro. Tenho por esses, enquanto oradores, o mesmo respeito que teria pelo George Michael se o ouvisse, um dia, a atacar, de forma corrosiva, a homossexualidade e todos os seus perigos.

Por isso, deixo aqui – de forma frontal e sem subterfúgios de qualquer ordem – a minha confissão: sou um mercenário da pior espécie. Faço tudo por dinheiro, é para ele (o dinheiro) que dirijo todas as minhas atenções. Haverá, com certeza, algumas pessoas que, ao lerem estas palavras, se vão sentir algo enojadas – ou, até, subitamente acometidas de uma incontrolável vontade de vomitar. É natural. Experimentem saciar a fome e verão que passa.

Pedro Chagas Freitas, co-autor da coluna EmpreenLer, escreve. Há alturas, porém, em que consegue arranjar tempo para viver. Felizmente para o bem-estar de quem o rodeia, esses momentos são cada vez mais raros. Mais informações em www.pedrochagasfreitas.pt.vu
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