2012-05-04

Organizações em Rede

Empreendedorismo social e religião

Há alguns meses, numa conferência sobre empreendedorismo, colocaram-me uma questão difícil. Um assistente atento perguntou-me se nos dias de hoje, caracterizados por elevados níveis de rivalidade e competição, haveria ainda lugar a iniciativas empreendedoras motivadas por razões de ordem altruísta.

A questão foi colocada na sequência duma comunicação em que tinha acabado de destacar o altruísmo como um dos incentivos ao empreendedorismo. Recordo-me de ter dito que, talvez nunca como agora, se assiste a um movimento em que muitos empreendedores encontram motivos de ordem social e de natureza não lucrativa para as suas empresas e acções nos mais diversos domínios da sociedade.

Exemplifiquei com as inúmeras causas sociais e de voluntariado para protecção de franjas desfavorecidas da sociedade, nomeadamente idosos, doentes, crianças e grupos populacionais com dificuldades económicas, ou o sem número de iniciativas de cariz cultural, desportivo ou político que mobilizam grupos de cidadãos em prol de causas que os unem.

Geralmente estas iniciativas encontram-se estruturadas em organizações não governamentais, predominantemente de natureza não lucrativa. Tradicionalmente envolvem organizações como associações e cooperativas, mas também não é raro organizarem-se em sociedades comerciais e noutras estruturas formais. Cada vez mais, as possibilidades conferidas pelas tecnologias de informação e comunicação tem levado muitos destes grupos a organizarem-se informalmente no seio de comunidades electrónicas da mais variada natureza como fóruns de discussão, grupos electrónicos, blogues ou espaços virtuais de relacionamento.

Há exemplos conhecidos em Portugal e no mundo inteiro que ilustram movimentos empreendedores de natureza social. Foi esse o caso do movimento desencadeado por várias organizações não governamentais de ajuda às vítimas do "tsunami" que varreu a Ásia em Dezembro de 2004. E se dúvidas existissem sobre a necessidade de muitas destas entidades adoptarem receitas da empresa tradicional que envolvem recursos, organização, mobilização e acção, basta, por exemplo, pensar de que forma é possível a uma associação como a Assistência Médica Internacional deslocar-se e montar rapidamente serviços de assistência que respondam às necessidades duma tragédia no Sri Lanka.

Enfim, sem uma atitude empreendedora não é possível a muitas organizações cumprirem a sua missão, qualquer que ela seja.

Há um outro bom exemplo de empreendedorismo social, talvez o mais clássico deles todos; o da acção quotidiana da igreja, não só na ajuda espiritual mas também no apoio material. Ora, como qualquer interessado no empreendedorismo não posso deixar de registar que o espaço, discurso e práticas religiosas são raramente privilegiados nos estudos sobre empreendedorismo. Sabendo-se que os empreendedores religiosos e suas redes empreendedoras sempre tiveram um importante papel no bem-estar individual e colectivo, urge ultrapassar esta limitação, procurando compreender as práticas no âmbito do empreendedorismo religioso, seus processos, estruturas, dilemas, discursos, normas e aspirações.
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