2013-01-12

Distinguir uma dissertação qualitativa duma divagação

Na prova de mestrado em que participei na qualidade de orientador da dissertação intitulada Comportamento Competitivo no Seio de Alianças Estratégicas Horizontais, da autoria de Ana Peixoto, apresentei as seguintes ideias que quero aqui registar. Com a expectativa de que sejam ponderadas, pelo menos por aqueles que pela primeira vez trilham os caminhos sinuosos da pesquisa em gestão. Tratam-se de ideias simples - e algumas certamente discutíveis - que me ocorreram para partilhar com quem pretende desenvolver pesquisas de mestrado de natureza qualitativa. Aqui vai:

1 - Toda a pesquisa tem que ser orientada por objectivos de investigação. Não basta formular objectivos. Estes têm que ser relevantes e devem ser devidamente sustentados. A melhor forma de sustentar objectivos é rever a literatura sobre o tema.

2 - Numa pesquisa qualitativa, os objectivos devem ter tradução em algo que se possa testar. Esse algo são as proposições. Registe bem: devem ser formuladas proposições para pesquisa. Se assim não for, há o sério risco da dissertação se converter numa divagação. E a divagação é algo de indesejável em ciência.

3 - Numa pesquisa qualitativa, a dimensão da amostra é uma "não-questão". Contudo, na eventualidade do investigador optar por uma abordagem baseada no estudo de caso, pelo menos nas minhas áreas de pesquisa, o ideal é estudar no mínimo dois casos (idealmente três, quatro ou cinco casos). A teoria diz - e a minha experiência comprova-o - que raramente o estudo de um único caso produz contributos relevantes, sobretudo quando há imensas barreiras no acesso a dados e o tempo disponível para "escavar" é demasiado escasso. Por outro lado, com um único caso, não é viável fazer comparações, contrastes. Enfim, torna-se bem mais difícil gerar contributos valiosos.

4 - Na recolha de dados primários de natureza qualitativa é preciso duma vez por todas distinguir pesquisa científica de outras formas de recolha de dados. Em pesquisa, tem que haver dados em quantidade e qualidade adequada e robusta para testar proposições. E esses dados devem ser recolhidos com método. O método, sempre o método. O «penso, logo existo» tem que combater a comodidade do «penso logo».

5 - Não basta recolher dados. Eles têm que ser tratados. Não podem ser sujeitos a uma contemplação e apreciação subjectiva. Têm mesmo que ser analisados objectivamente com a aplicação de técnicas adequadas. Só assim é que os dados podem gerar informação e esta produzir conhecimento. Sem conhecimento não há contributo.
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